Portal da Vila - a arte de bem servir


O Portal da Vila em Alpiarça merece um destaque especial e um post próprio dedicado.

Quando passámos a primeira vez pelo local, não houve nada que chamasse a atenção. Não havia néon, não nos apercebemos de qualquer painel publicitário, nada. E estava na continuidade das casas, que nesta rua estavam bem tratadas. Limpas, pintadas ou caiadas, contínuas e baixas. Apenas depois de ter ouvido falar do restaurante, passámos com mais atenção. E vimos que havia umas letras identificativas na parede, mas colocadas de forma discreta, pelo menos para quem não conhece.

Por curiosidade, e apesar de prevermos jantar em Santarém, fomos pela parte de trás do restaurante. As traseiras tinham um parque de estacionamento com alguma capacidade. Ficámos no entanto na dúvida, se era mesmo ali, porque vimos uma quantidade enorme de paletes de garrafas prontas a engarrafar, e alguns animais à solta, entre os quais galinhas e garnizés com uma penugem na cabeça.
À noite, após peripécias já descritas em post anterior, voltámos para o Portal da Vila. Percebemos então que a casa era uma casa agrícola antiga, que apesar de ter um só piso tinha um pé direito bem alto. Provavelmente superior ao pé direito de 2 pisos de uma casa actual. Entravámos pelo que devia ser a antiga eira, e acedemos a uma primeira sala, que funciona como uma recepção. Vimos de imediato imensas referências à tauromaquia. Na sala de jantar propriamente dita continuaram essas referências, com fotografias, bandarilhas, mobiliário e decoração coerente com toda a casa. Perfeitamente tradicional e sem a tentativa tantas vezes falhadas de misturar algo mais contemporâneo. Pura e simplesmente tradicional. E assumido sem receios.

No momento em que entrámos fomos recebidos por uma senhora de sorriso aberto, e por um senhor que, não tendo um sorriso tão acentuado, irradiava disponibilidade. Cumprimentaram-nos e o senhor levou-nos para uma mesa, e embora nos tenha orientado para uma zona, deu-nos a liberdade para escolher.

Apesar de alguma renitência inicial em aceitar entradas, pois o habitual pão com manteiga começa a não ser aceite, optámos por experimentar quando nos descreveu as entradas. Uma tábua com farinheira com ovo, enchidos, orelheira e queijos. Não resistimos a experimentar todos os tipos, incluindo as azeitonas e o pão frito com manteiga, que me fez recordar uma das especiarias da minha avó que hoje seria contestada por muitas partes. Acompanhámos estas entradas com um néctar da casa que me deixou completamente surpreendido (o vinho foi Foz da Moura de 2003 engarrafado na Gouxaria). Um pequeno jarro, pois a garrafa de 0,75l seria muito e sairia a cantar fados tauromáticos, foi suficiente para ficar fã do vinho. Não percebo nada de vinhos, o meu vinhómetro tem uma escala simples: “excelente”; “sabe bem” ; “não sabe bem”; “nheca”. Não sei se foi por toda a envolvência, pelo ambiente, ou se é mesmo do vinho, o facto é que este vinho bateu na parte superior da escala! Sabe muito bem! De qualquer forma trouxe umas garrafas para confirmar.

Aquando da escolha dos pratos, fiquei decidido de imediato ao ver na carta carne de toiro. Nunca tinha experimentado, e a curiosidade era imensa. Optámos por uma espetada com nacos de porco e de toiro, após aconselhados a pedir só uma dose, pois seria de certeza suficiente, e caso não o fosse, rapidamente se completaria com outro prato.

Fomos ganhando confiança em quem nos aconselhava. Parecia que conseguia manter o equilíbrio entre estar presente na mesa e retirar-se, dando-nos os momentos necessários para aproveitar o jantar. Sabia perfeitamente quando devia aparecer e os seus conselhos foram certeiros. Trouxe ainda uma garrafa de vinho branco para experimentarmos. A enóloga da casa é a senhora que nos tinha recebido com o sorriso aberto. Explicou-nos o método utilizado, e a forma como recuperou métodos mais tradicionais e já não muito usados para fazer o vinho. Mesmo não sendo especialista em vinhos percebi a explicação da enóloga, que teve o cuidado de não utilizar termos demasiados técnicos, permitindo a comunicação. Por vezes há uma linguagem tão especializada que não percebo nada do que me dizem. Eu gosto pouco de vinho branco, mas este vinho era diferente. Muito bom. Apesar disso, voltei de novo para o tinto. Excelente!

Fomos tendo a espaços informação sobre a região e sobre a história do restaurante e da casa, sabendo que a sua produção destinava-se essencialmente à exportação, e que a casa era essencialmente produtora de vinhos, embora houvesse outros produtos com um peso residual.
No final, pediu-nos licença para trazer sobremesas, e nós nem esboçamos uma tentativa de lhe pedir a carta. Estava tudo óptimo. Mais valia manter as recomendações da casa, e ver o que viria aí. Trouxe 3 sobremesas, com 2 colheres. Uma sopa dourada (doce de ovos conventual, que nos coloca mais próximo das nuvens), um bolo de bolacha que ficou no topo dos iguais, e um pudim caseiro óptimo. Para acompanhar as sobremesas trouxe-nos ainda um vinho doce, que foi a cereja no topo do bolo. Mal cabia o café! Mas ainda foi! No final fez-nos uma visita guiada pelo lagar de azeite, ao lado da sala de recepção, mas actualmente sem produção. Comprámos umas garrafas de vinho tinto e ofereceram-nos uma garrafa de vinho branco.

Confesso que quando veio o preço fiquei surpreendido. Uns cêntimos acima dos 36€. Já está marcada nova ida.
Qualidade, simpatia, cortesia, confiança. De facto foi dos melhores restaurantes em que jantei! Recomendo!

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