O quotidiano não se fotografa


O negócio familiar na Mealhada – a Ourivesaria Neves – existe desde a década de sessenta. Sou mais jovem que a casa, mas já entrei nos -entas, pelo que o negócio tem certamente mais de quarenta anos. Apesar da idade já proeminente, não existe – culpa nossa! – uma única fotografia do estabelecimento. Nem uma.

Tenho fotografias de Paris, de Milão e de Bruxelas; mas não tenho fotografias da Rua Doutor Costa Simões. Tenho fotografias do Jardim Zoológico de Lisboa, da Floresta Negra e dos Alpes suíços, mas não tenho fotografias do quintal lá de casa. Fotografei o casamento daquele primo afastado que já não vejo há uma data de anos, mas nunca fotografei um vulgar jantar em família.

Existe uma espécie de regra no nosso subconsciente que nos impede de fotografar o nosso quotidiano. Afinal, porque fotografar uma loja onde se trabalha diariamente? Porque fotografar uma rua por onde se passa todos os dias? Porquê fotografar banalidades? Vulgaridades?

Aparentemente, não sou o único obedecendo a semelhante regra. Uma vista de olhos rápida no Google Earth e no Panoramio permite-me assumir que a maioria das fotos da Mealhada disponíveis na Internet foram obtidas por forasteiros: os mealhadenses não fotografam a sua terra. Porque faz parte do seu quotidiano e o quotidiano não se fotografa.

Contudo, o quotidiano apenas o é num tempo restrito. À escala de tempo da vida humana, o quotidiano é efémero: desliza para fora das nossas vidas e torna-se passado. Passado não fotografado, passado não documentado… porque foi quotidiano. E, quando chega a altura de contar a nossa história, a história da nossa família aos nossos filhos, nada temos para lhes mostrar. A não ser, claro, as nossas férias em Paris e o casamento daquele primo afastado.

Conclusão: fotografem o vosso quotidiano! Fotografem a vossa casa, a vossa rua, o vosso quintal, a estrada que percorrem diariamente para o vosso trabalho! Fotografem um vulgar almoço de Domingo e uma pachorrenta ida ao café com os amigos! Porque o que parece quotidiano só o é no tempo presente; para que no futuro o vosso quotidiano não seja apenas uma memória não fotografada.

1 comentário:

Pedro Paiva disse...

Caro Neves,

Um post que promove a reflexão e a consequente alteração de comportamentos. Concordo em pleno contigo. Pontualmente, lá resolvemos tirar uma fotografia ao nosso quotidiano, mas apenas a título excepcional. Ganharíamos muito se tornássemos esta excepção a regra e a regra em excepção!

Abraço e contínua neste teu espaço!